Brasília (AE) - A Câmara dos Deputados aprovou ontem o texto principal de uma proposta que diminui a burocracia para a realização de pesquisas científicas com recursos genéticos brasileiros ou que usem conhecimento de povos tradicionais. A chamada "lei da biodiversidade" beneficia principalmente as indústrias farmacêutica e de cosméticos, que respondem pela quase totalidade desse tipo de investigação. Os deputados fizeram um acordo para aprovar o texto-base da matéria e as emendas serão analisadas nesta terça-feira. Há pontos polêmicos que devem gerar disputas, como a concessão de uma anistia a empresas que haviam sido multadas por levar adiante pesquisas sem autorização do órgão competente.
O principal objetivo do projeto é "desafogar" o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente que concentra os pedidos para que pesquisadores façam estudos com material genético nacional. É o caso de uma pesquisa que necessite de uma determinada planta nativa do Brasil. O problema é que, pela estrutura atual, o trâmite para essa autorização pode levar anos.
A "lei da biodiversidade" cria um banco nacional de registros para pesquisas que dependam de extração de recursos genéticos. Mas, para agilizar o processo, os estudos sem fins comerciais deixam de depender do aval do CGen, sendo necessário apenas um cadastro no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Outra inovação da proposta é um dispositivo que prevê o pagamento de royalties pelo uso do material genético depois que o produto acabado estiver em comercialização. Nas regras atuais, as empresas e as instituições de pesquisa precisam realizar esse pagamento assim que for identificada viabilidade comercial.
"Como uma empresa, instituto ou universidade que não tem a mínima noção do resultado que (sua pesquisa) vai dar do ponto de vista comercial paga antes? Isso é inibir pesquisa", questiona o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), relator da matéria.
Encaminhado ao Congresso pela presidente Dilma Rousseff em junho de 2014, o projeto tem sido usado pelo governo para trancar a pauta da Câmara desde agosto de 2014. O objetivo era bloquear a análise de temas que desagradam o Palácio do Planalto. Mas o novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), manobra para liberar a pauta e para colocar em discussão nos próximos dias a criação de uma "quarentena" para impedir a fusão de novos partidos.
A proposta também cria um mecanismo para repartir os benefícios obtidos pelas pesquisas. O texto prevê a instituição de um Fundo Nacional de Repartição de Benefícios que deverá receber aporte das empresas sempre quando a pesquisa envolver patrimônio genético ou conhecimento tradicional difuso - que não diga respeito a uma comunidade indígena específica, por exemplo. O objetivo será distribuir recursos entre as diferentes comunidades tradicionais do País e para a preservação de áreas protegidas.
Para constituir o fundo, a indústria terá que desembolsar 1% das receitas da mercadoria oriunda da pesquisa com material genético O aporte pode ser reduzido a até um décimo desse valor, mediante negociação com o governo.
Quando uma companhia conseguir benefícios de uma mercadoria desenvolvida a partir do conhecimento de uma comunidade específica - indígena ou quilombola, por exemplo -, a repartição de benefícios ocorrerá diretamente com os membro do grupo tradicional. Ela pode ser monetária ou mediante negociação com o órgão responsável do governo (no caso de índios, a Funai), ser transformada em serviços ou paga em mercadorias.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) argumentou que o projeto foi pouco discutido com a sociedade e que os mais interessados - indígenas e quilombolas - não foram ouvidos. "Não somos a favor do liberou geral", disse Valente. Para ele, os valores propostos para a repartição de benefícios com as comunidades tradicionais são insuficientes. "É um número cabalístico e merecia um debate melhor", afirmou o deputado.
Fonte: Tribuna do Norte.
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