segunda-feira, 1 de agosto de 2016

COMPENSAÇÃO AMBIENTAL

A Compensação Ambiental é um instrumento previsto no art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação, pelo qual impõe ao empreendedor o dever de apoiar na implantação e manutenção das Unidades de Conservação, independente das ações mitigadoras de impacto ambiental.

art. 36. “Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei”.

Em conformidade com o princípio do usuário-pagador, o empreendedor, além de mitigar o impacto ambiental, deve compensar o bioma que foi afetado, implementando ações e medidas necessárias, definidas nos Termos de Compromisso pactuados com o órgão gestor das Unidades de Conservação. A prevenção antecede qualquer evento danoso ao meio ambiente, ao passo que a mitigação se inicia no mesmo momento do evento, acompanhando-o, no intuito de diminuir sua magnitude.

O meio ambiente é um direito difuso, caracterizado por sua indivisibilidade, pertencente a toda a coletividade, devendo ser preservado, de forma que não prejudique as gerações futuras. Para isso, o Estado deve conciliar o crescimento econômico com o desenvolvimento sustentável, sempre em busca de alternativas viáveis que minimizem os danos ambientais, em cumprimento à Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA, prevista na Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.

Antes de dar início ao estudo da compensação ambiental, é importante tecer algumas considerações sobre princípios pertinentes à matéria.

O princípio da precaução é norteador das políticas ambientais, e refere-se às dimensões da incerteza, com maior ou menor intensidade na imposição de ordens de cautela, aplicando medidas proporcionais ao nível de proteção escolhido. As respostas precaucionais aos graus de incerteza devem tomar em conta não apenas o binômio probabilidade / magnitude, mas também analisar os impactos e benefícios associados com a atividade, produto ou tecnologia. Assim, nota-se que a existência de graduações acerca da incerteza gera uma diversidade na intensidade em que a precaução deve ser aplicada. A importância da delimitação ao princípio da precaução, mesmo diante de cenários de ignorância, consiste na decorrência de desastres não apenas estão fortemente ligados ao descumprimento do Estado de Direito como na constatação de que é tentador (...) em condições de incerteza, basear a política a um nível de pré-conceitos teóricos, de visão de mundo, de ideologia”[1].

O princípio da precaução tem amparo no art. 225, §1º, inc. V, da Constituição Federal:

(...)
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente
Pelo princípio da prevenção do dano ambiental, o Poder Público busca afastar danos previsíveis, com base em estudos e estatísticas, tomando medidas que evitem agressões ao meio ambiente, antecipando-se a possíveis catástrofes ambientais.

Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “o fundamento maior do princípio da proporcionalidade é evitar o excesso de poder, controlando, por conseguinte, atos, decisões e condutas estatais que extrapolem os limites legais. Destarte, ele mantém equilibrado os atos do poder público, sem excessos e proporcionalmente ao fim a ser atingido”. 

A Constituição Federal preceitua:

art. 225 – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; 
(...)
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Após análise do STF à ADI 3378-6, impetrada pela CNI, questionando a constitucionalidade da compensação ambiental, a Suprema Corte reconheceu a legitimidade do instrumento, todavia, alterou o entendimento do § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000, julgando-o parcialmente inconstitucional, ao atribuir um critério de 0,5% sobre os custos totais do empreendimento. O órgão licenciador avaliará o impacto ambiental, e definirá um valor, utilizando como critério o impacto ambiental puramente, e não levando em consideração os custos totais do empreendimento. Muito menos, poderá ser atribuído um teto sobre a precificação do impacto ambiental, caso contrário, afrontaria a CF e a Política Nacional do Meio Ambiente, ao submeter o meio ambiente à ordem econômica, senão vejamos:

Artigo 170, CF, caput: a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando os seguintes princípios:
(...)

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. 
Após definição do valor de impacto, o órgão licenciador, ouvirá o órgão gestor das Unidades de Conservação, e definirá quais unidades de proteção integral serão beneficiadas com recursos da compensação ambiental, conforme disposto no § 2º do art. 36. As Unidades de Conservação de Uso Sustentável também podem ser beneficiadas, quando ocorrer impacto dentro de seus limites ou nas áreas de amortecimento, todavia, de acordo com a lei, dar-se-á preferência para implantação e manutenção de unidades de proteção integral, e na falta dessas unidades, o empreendedor deverá criá-las.

Conforme definido no § 3º do art. 36 do mesmo diploma legal, quando o empreendimento afetar Unidades de Conservação de Uso Sustentável, o licenciamento só poderá ser concedido após autorização do órgão gestor da Unidade, nesse sentido, dispõe o art. 2º da Resolução CONAMA nº 428, de 17 de dezembro de 2010.

Art. 2º. A autorização de que trata esta Resolução deverá ser solicitada pelo órgão ambiental licenciador, antes da emissão da primeira licença prevista, ao órgão responsável pela administração da UC que se manifestará conclusivamente após avaliação dos estudos ambientais exigidos dentro do procedimento de licenciamento ambiental, no prazo de até 60 dias, a partir do recebimento da solicitação.

É importante, e necessária a utilização de medidas rígidas no trato das questões ambientais, no intuito de “blindar” o meio ambiente, preservando-se a garantia constitucional da proibição de retrocesso ambiental. A vedação ao retrocesso ambiental, relaciona-se com a teoria dos direitos adquiridos. Nesse sentido, busca-se dar maior eficácia das normas ambientais no que se refere à regulação de situações críticas, visando evitar riscos catastróficos, de forma a equilibrar o desenvolvimento econômico com a Política Ambiental. Na aversão aos riscos, as pessoas tendem a preferir adotar medidas para evitar perdas, sem levar em consideração os possíveis ganhos.

Convém mencionar que, embora o particular (empreendedor) utilize o meio ambiente, bem de toda a coletividade para auferir lucros, em atividades privadas, esse empreendimento também traz benefícios, favorecendo a população local, gerando empregos e renda, melhorando as condições de vida, levando estruturas como melhoria da mobilidade urbana, energia elétrica, escolas, hospitais, policia, bancos, etc, em localidades que a “mão” do Estado, por razões diversas, não consegue alcançar. Assim, o Estado deve apoiar a iniciativa privada, e conciliar o desenvolvimento sustentável com o crescimento econômico, sempre que for possível a mitigação do impacto ambiental.

Vale ressaltar que, não há direito adquirido de poluir; logo, um empreendimento pode ser interrompido a qualquer momento, mesmo após emissão de licenças ambientais. Os empreendimentos suscetíveis de gerar impactos ambientais só serão implementados, após estudos de impacto ambiental, e relatórios de impacto ambiental – EIA/RIMA, que devem ser minuciosos e precisos, mencionando os benefícios e malefícios, avaliando a viabilidade sustentável do empreendimento. A fase que precede as licenças é muito importante, e requer análise apurada de possíveis situações de risco, pois, os danos post factum são mais difíceis de reparação, além de causarem maiores impactos ao meio ambiente.

“Sabe-se que um dos instrumentos mais importantes e, talvez, mais efetivos na conservação da natureza é a criação e manutenção de Unidades de Conservação, sendo as compensações ambientais uma fonte de recursos importante para que sejam alcançados os objetivos sociais, econômicos e ambientais das unidades de conservação. Considerando o montante de recursos de compensação ambiental existentes e estimados, é de extremo interesse para a sociedade brasileira que seu uso seja realizado da forma mais eficiente possível”. 

A execução da compensação ambiental pode ser realizada de forma direta, quando executada pelo próprio empreendedor, implementando ações de implantação e manutenção de unidades de conservação, ou indireta, quando executada pelo órgão gestor das unidades de conservação, utilizando recursos do empreendedor, previamente destinados para essa finalidade.

É possível ainda, a execução indireta por meio de terceiros, através da contratação com OSCIP’s, que assumem a responsabilidade pelos procedimentos, utilizando os recursos repassados pelo empreendedor nas ações de implementação das unidades de conservação. Para isso, é necessária uma integração dos serviços sociais com os serviços ambientais, além de planejamento e preparo, para assumir a execução indireta. Parece-nos ser a solução mais conveniente para a execução da compensação ambiental, pois não afastaria os servidores do órgão gestor das unidades de conservação de suas atividades cotidianas, não prejudicando a rotina de gestão, que apenas desempenharia a função de fiscalização da execução dessas Organizações Sociais.

As Unidades de Conservação também podem ser geridas por Organizações Sociais credenciadas para essa função, conforme disposto no art. 30 da Lei nº 9.985/2000:

“As unidades de conservação podem ser geridas por organizações da sociedade civil de interesse público com objetivos afins aos da unidade, mediante instrumento a ser firmado com o órgão responsável por sua gestão”.


HISTÓRICO

De 2000 a 2007, a implementação e manutenção das Unidades de Conservação era executada diretamente pelo empreendedor. Analisando a forma como era realizada a execução direta, verifica-se a ineficiência e a ineficácia nas ações.

Primeiramente porque “o empreendedor não detinha a expertise na área ambiental, tendo que aportar custos adicionais de recursos humanos e materiais, o que resultava em aquisições de produtos de qualidade inferior à esperada ou que não atendiam as necessidades das Unidades de Conservação”. Outro fator, era a questão da regularização fundiária, medida prioritária dentre as ações de implementação nas Unidades de Conservação definidas no art. 33 do Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta o SNUC, pois, além de ser um processo longo, gerava especulação no mercado imobiliário, acarretando valorização da área, consequentemente, trazendo mais custos para o empreendedor.

Havia também a questão dos custos mais elevados na aquisição de bens e serviços, tendo em vista que o particular deve arcar com o pagamento de taxas e impostos, que o setor público é isento, além da problemática na transferência desses bens para o setor público. O Instituto Chico Mendes realiza a desapropriação administrativa a valores bem inferiores que o empreendedor, em razão da imunidade constitucional dos impostos, o Instituto não incorre em despesas com tributos decorrentes da aquisição de terras.

A única vantagem nessa sistemática adotada era a desoneração da máquina administrativa, o que gerava menor burocracia na operacionalização e gestão dos recursos, sem necessidade de realização de licitações nas contratações e aquisições. Por outro lado, não havia transparência na implementação das ações e aquisições de produtos ou serviços.

Em 2004, a CNI – Confederação Nacional da Indústria, propôs a ADI 3378-6, alegando a inconstitucionalidade da compensação ambiental. Por sua vez, a Suprema Corte legitimou a constitucionalidade do instrumento. Todavia, reconheceu a inconstitucionalidade parcial do § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000, no seguinte trecho: ” § 1o O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento...”, conforme citado anteriormente.

Acerca da ADI, extrai-se que o denominado “princípio do poluidor-pagador” não significa reconhecer ao empreendedor o direito de poluir mediante o pagamento de determinada quantia. 

Diante da ineficiência e ineficácia na implementação da compensação ambiental, foi criado em 2006 o FICA – Fundo de Investimento de Compensação Ambiental, onde o empreendedor aportava recursos da compensação ambiental, e, por meio de Termo de Compromisso firmado, o empreendedor autorizava o IBAMA a utilizar esses recursos para as ações que visavam a compensação ambiental que constavam no compromisso, tornando a execução indireta.

Conforme informado pela Caixa, “o modelo desse fundo, apesar de inovador e de possuir perfis satisfatórios de segurança, rentabilidade, liquidez e transparência, por impedimentos legais, deixava de atender a uma fatia significativa de empreendedores e, por esse, motivo, foi extinto definitivamente em 17/7/2009, sem nenhuma aplicação de recursos da CA nas UCs”.

Em 2007, foi criado o ICMBIO – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, pela lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007, autarquia federal, dotada de personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:

I - executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União;

(...)
Com a Instrução Normativa nº 20/2011, foi criada a possibilidade de execução indireta da compensação ambiental, por meio de depósito em contas escriturais de compensação, em nome do empreendimento, junto à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, indicadas pelo ICMBIO.

Em 2009, o ICMBIO firmou contrato de prestação de serviços junto à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, passando a utilizar contas gráficas, onde eram destinados os recursos financeiros da compensação ambiental. Esse processo favoreceu a execução das atividades, pois as aquisições realizadas pelo Instituto Chico Mendes eram mais acessíveis.

Havia grande contradição quanto à natureza privada dos recursos e a sua gestão por órgãos públicos, sem transparência na sua aplicação. Mesmo que o entendimento da obrigação de fazer da compensação ambiental fosse convertido em obrigação de dar, os recursos destinados deveriam ingressar no erário, e seguir as regras da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 e os artigos 31/34 do Decreto nº 4.340/2002 são omissos quanto à forma de operacionalização dos recursos da compensação ambiental, deixando a critério do IBAMA a sistemática a ser utilizada em âmbito federal.

* No mesmo ano, o TCU por meio de uma auditoria operacional realizada, tendo por objeto a gestão dos recursos da compensação ambiental prevista no art. 36 da Lei do SNUC, o Plenário do TCU, proferiu, o Acórdão nº 2650, Relator Ministro Walton Alencar, com a seguinte ementa: 

AUDITORIA DE NATUREZA OPERACIONAL. RECURSOS DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. LEI Nº 9.985/2000. CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA. INEXISTÊNCIA. GESTÃO DE RECURSOS POR ÓRGÃO PÚBLICOS. IMPOSSIBILIDADE. RECOMENDAÇÕES. 

1. O art. 36 da Lei nº. 9.985/2000 cria para o empreendedor, nos casos nela previstos, obrigação de fazer, consistente em praticar atos para apoiar a implantação e a manutenção de unidades de conservação.

2. O empreendedor encontra-se obrigado a destinar e empregar recursos seus, até o limite legal, nessa finalidade específica.

3. A execução direta dessas atividades pelo empreendedor decorre diretamente da disciplina legal.

4. A Lei não cria para o empreendedor obrigação de pagar ou recolher certa quantia aos cofres públicos, a título de compensação ambiental, nem há respaldo legal para arrecadação, cobrança ou exação de qualquer pagamento ou contribuição a esse título.

5. Não há previsão legal para que recursos, destinados pelo empreendedor, para apoiar a implantação e manutenção de unidades de conservação, sejam arrecadados, geridos ou gastos pelos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização ambiental ou pela gestão das unidades de conservação.

6. Ao órgão de licenciamento ambiental cabe apenas definir o montante destinado pelo empreendedor a essa finalidade, bem como as unidades de conservação a serem criadas ou apoiadas pelas atividades custeadas por recursos privados. 

O Acórdão traz ainda as seguintes recomendações, nos termos do voto do Ministro Relator Walton Alencar Rodrigues: 

9.1. recomendar ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio: 
(...) 
9.1.3. promover a constituição e o fortalecimento da atuação dos conselhos previstos para as unidades de conservação, conforme posto no art. 15, § 5º, da Lei 9.985/2000, c/c Decreto 4.340/2002, a fim de garantir a transparência e o controle social na destinação da compensação ambiental; 
(....) 
9.5. recomendar ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBIO, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e à Caixa Econômica Federal – CEF, que estudem a extinção do chamado Fundo de Compensações Ambientais, porquanto sua criação e operação derivam do equívoco de considerar que a compensação ambiental prevista em lei poderia resolver-se em obrigação de pagar contribuição financeira a ser gerida e aplicada pelos órgãos públicos nas finalidades previstas em lei. 
Cabe destacar que não foi definida a natureza da compensação ambiental, portanto não há consenso na doutrina a respeito da matéria, se possui natureza indenizatória, tributária, reparatória ou de preço público. 

Na análise do então Ministro do STF, Carlos Ayres Britto, trata-se de “despesa compartilhada” entre todos os envolvidos (particulares e setor público), pois a responsabilidade é devida por ambos, no entanto, se o empreendimento do particular ou atividade por ele despendida causar significativo impacto ambiental, cabe a ele “reinternalizar tais custos no bojo de seu empreendimento, por meio do respectivo compartilhamento ou compensação”. 

Paulo Affonso Leme Machado e Marcelo Abelha Rodrigues, dentre outros juristas, entendem ser a compensação ambiental uma reparação de danos antecipada, pois se dá antes da ocorrência dos danos que se pretende reparar.

No nosso entendimento, o art. 36 da lei do SNUC, trata de instrumento de assunção de responsabilidade pelo empreendedor, pois assume o risco de atividade danosa ao meio ambiente, como usuário-pagador, devendo compensar a coletividade pela utilização de um direito difuso; portanto, trata-se de medida de natureza reparatória.

Não há que se falar em indenização, conforme definiu o Ministro do STF Marco Aurélio Mello, por não ser a compensação ambiental fundamentada em efetivo dano ambiental. Muito embora a responsabilidade civil por dano ambiental seja objetiva, é necessário que haja dano para que haja responsabilização. Com isso, sem a ocorrência de dano, pautando-se apenas na possibilidade de dano, não é possível a definição de sua natureza como indenizatória.

Trata-se, portanto, de uma nova figura jurídica, que ainda não foi definida, mas que apesar desta indefinição, não impede a sua aplicabilidade, porém traz consigo alguns entraves até que haja a pacificação da sua natureza.

No entendimento de Édis Milaré, a estrutura da compensação ambiental coincide com a conceituação de tributo prescrita no art. 3º do Código Tributário Nacional, conforme se expõe a seguir:
1) É uma exigência compulsória;
2) Exigência pecuniária com valor expresso em moeda;
3) Não constitui sanção de ato ilícito, mas ao contrário, o fato gerador é atividade empresarial lícita;
4) Foi instituída em lei;
5) Far-se-á por atividade administrativa vinculada.
Nesse sentido, o autor entende que a melhor figura a se enquadrar à compensação ambiental é a CIDE, prevista no art. 149, CF.

Outros autores entendem que se trata de imposto inominado – competência residual, prevista no art. 154, I, CF, não possuindo fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos discriminados na CF.

Desta forma, a lei do SNUC deveria ter sido feita por lei complementar. A compensação ambiental não pode ser CIDE, pois não há categoria específica de usuários, ao qual se estenda um benefício específico ao qual se dirija uma especial atuação estatal, pois esta consiste na criação de unidade de conservação, o que beneficiará a todos.

Para que seja considerado tributo, os elementos essenciais que o constituem devem estar previstos em lei – sujeito passivo, base de cálculo e alíquota. Somente a lei em sentido estrito pode fixar alíquotas de tributos.

O Desembargador Catão Alves ilustra que, estabelecer que o percentual da compensação ambiental será definido pelo órgão ambiental licenciador, sem limitá-lo ou delinear como será feita sua gradação, fere o art. 97, IV, CTN. O caráter significativo do impacto ambiental é o pressuposto para a exigência da compensação ambiental, afastando o caráter de atividade administrativa plenamente vinculada.

No Acórdão 2650/2009 – Plenário – TCU, ao tratar da natureza jurídica da compensação ambiental, a equipe de auditoria aduziu:

2.11.12. No caso da compensação ambiental, prevista no art. 36 da Lei do SNUC, está-se diante de um dano potencial, ainda não ocorrido, por meio do qual surge a obrigação de pagamento de um montante de recursos ainda na fase de licenciamento ambiental do empreendimento, como forma de compensar os impactos negativos e não mitigáveis identificados no respectivo EIA/RIMA, conforme estabelece a Lei. Destarte, o direito do Estado de exigir o cumprimento dessa prestação por parte do empreendedor deriva de obrigação jurídica e não de responsabilidade jurídica, sendo esta uma das principais características do instituto, justamente com seu caráter indenizatório, como mencionado.
Fazendo a interpretação literal do artigo 36, verifica-se que a lei não impôs nenhuma obrigação de pagar ao empreendedor. No texto, consta que o empreendedor tem a obrigação de apoiar na implementação e manutenção das Unidades de Conservação. Logo, concluiu-se que se trata de uma obrigação de fazer e não de pagar. Podendo o empreendedor realizar ações na implementação, sem aporte de recursos financeiros. Todavia, no nosso entendimento, apesar de não constar no dispositivo legal o dever de pagar do empreendedor, é implícita essa obrigatoriedade, em decorrência do princípio do usuário-pagador. Dessa forma, cabe a ele o custo ambiental, além da mitigação. Utilizando o método teleológico de interpretação, que tem como critério a finalidade da norma, ao se interpretar um dispositivo legal, deve-se levar em conta as exigências econômicas e sociais que essa norma buscou atender e conformá-la aos princípios da justiça e do bem comum, conforme expresso no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB. No entanto, não foi esse o entendimento do TCU.

A obrigação decorrente da compensação ambiental, embora mensurável economicamente, não envolve o recolhimento de recursos ao erário ou a qualquer fundo a ser gerido pelos responsáveis pelas unidades de conservação. Não havendo, portanto, previsão de ingresso de recursos em cofres públicos.

Cabe ao empreendedor o dever de desenvolver a compensação ambiental, pois ele, como usuário-pagador dos recursos ambientais, deve promover a mitigação do impacto ao meio ambiente decorrente do seu empreendimento, de forma que tome medidas financeiras ou não que ajudem o poder público, de forma cooperada e compartilhada na implantação e manutenção das unidades de conservação.

Foi identificado que a execução direta pelo empreendedor privado afronta os princípios da transparência, da publicidade, da legalidade ao não se sujeitar às normas que disciplinam as finanças públicas e as licitações e contratos públicos, e, sobretudo ao princípio do interesse público. Assim, os recursos da compensação ambiental têm natureza de ingressos extra orçamentários.

Em 2011, a Portaria Conjunta MMA/Ibama/ICMBio 225/2011 - criou o Comitê de Compensação Ambiental Federal (CCAF) e define as atribuições desse colegiado em seu art. 3º:

[...]
III - manter registro dos relatórios de execução dos recursos aplicados a serem fornecidos pelo órgão, integrante do SNUC, gestor da unidade de conservação beneficiada;
IV - receber, do órgão, integrante do SNUC, gestor da unidade de conservação beneficiada, documento atestando o cumprimento das obrigações quanto à Compensação Ambiental;
V - consolidar os documentos recebidos na forma do inciso anterior, com vistas a demonstrar a quitação das obrigações do empreendedor, por empreendimento, com a compensação ambiental;
VI - receber do órgão, integrante do SNUC, gestor da unidade de conservação beneficiada, com a finalidade de instrução dos respectivos processos, eventuais relatórios relacionados à auditoria, monitoria e avaliação dos recursos aplicados.
* No ano de 2013, a pedido da CMA – Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Fiscalização e Controle, do Congresso Nacional, foi realizada outra auditoria operacional pelo TCU – Acórdão nº 1853/2013, onde o Tribunal de Contas da União determinou ao ICMBIO que se abstivesse de autorizar os empreendedores a cumprir a obrigação de apoiar a implantação e manutenção de Unidades de Conservação a depositarem recursos financeiros nas contas gráficas utilizadas para essa destinação, e determinou a conclusão do inventário dos bens móveis e imóveis adquiridos com recursos da Compensação Ambiental.

O Tribunal também determinou em prazo de 120 dias, que o MMA e o ICMBIO adotassem as providências para que os recursos que constavam nas contas gráficas fossem destinados à conta única e ao Orçamento Fiscal da União.

Com a decisão tomada pelo TCU, do ponto de vista da atuação para implementar e manter as unidades de conservação, houve um retrocesso, pois impediu que o empreendedor fizesse depósitos nas contas gráficas, cujos recursos eram destinados para esta finalidade, possibilitando apenas a execução direta, que conforme análise acima, não teve êxito na implementação das medidas tomadas pelo particular ao adotar essa sistemática. Todavia, trouxe mais segurança aos gestores públicos ao isentá-los de utilizar esses recursos extra orçamentários.

Segundo o TCU, nos termos do Acórdão 1853/2013, as ações de controle dos recursos da Compensação Ambiental atualmente existentes no âmbito do Ibama e do ICMBio apresentam as seguintes deficiências:

a) inexistência de sistema informatizado de controle da CA que contenha as seguintes informações, entre outras: quantitativo de processos, status (a valorar, a destinar), VR, GI, valor da CA, UCs beneficiárias, linhas de aplicação e valores destinados a cada UC, data de celebração do termo de compromisso, modalidade de execução (direta ou indireta), recursos administrativos ou judicializações, dados da aplicação, discriminando os bens e serviços adquiridos, prestação de contas, baixa parcial ou total da obrigação da CA, baixa da condicionante da CA;
b) inexistência de processo sistematizado de prestação de contas dos recursos de CA provenientes do licenciamento ambiental federal no âmbito federal dos órgãos gestores, no âmbito federal (ICMBio), estadual e municipal; 
c) inexistência de ações de fiscalização e monitoramento instituídas pelo Ibama ou pelo MMA sobre a aplicação dos recursos da CA federal, com o intuito de verificar a regularidade das contratações e aquisições realizadas pelos órgãos gestores, no âmbito federal (ICMBio), estadual e municipal”.
* Em 5 de agosto de 2013, o ICMBIO interpôs um pedido de reexame do Acórdão, com efeito suspensivo, contudo, sem abordar a recomendação específica de não firmar novos Termos de Compromisso. O pedido foi acolhido por aquela Corte, e, nesse interim, a CNI passou a fazer parte do processo como amicus curiae, defendendo a sistemática processual adotada pela Administração no trânsito dos recursos da compensação ambiental.

Dentre os pontos questionados pelo ICMBIO quanto à sistemática adotada, utilizando contas gráficas, destacam-se:
1 – dar celeridade no atendimento das demandas das Unidades de Conservação, uma vez que a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, impõe protocolos rígidos para a aquisição de bens e serviços pelo setor público, acarretando dilatação dos prazos;
2 – evitar os contingenciamentos orçamentários e financeiros adotados pelo Poder Executivo na execução da Política fiscal, em cumprimento ao disposto na Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – LRF.

Segundo consta no Acórdão 1853/2013, “em estudo realizado pelo MMA, em setembro de 2009, ‘Pilares para a sustentabilidade financeira do Snuc’, apontou que para o pleno funcionamento das UCs federais os custos correntes anuais seriam da ordem de R$ 543.200.000,00 e, ainda, de R$ 611.000.000,00 em investimentos em infraestrutura e planejamento. No mesmo exercício, as UCs federais receberam cerca de R$ 913.000,00, para fazer frente às despesas de capital, de acordo com informações prestadas pelo ICMBio”.

* Em 27 de abril de 2016, A Corte de Contas, proferiu o Acórdão nº 1004/2016, Relator Ministro Raimundo Carrero, com a seguinte Ementa:

PEDIDO DE REEXAME. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio). AUDITORIA OPERACIONAL. LEI 9.985/2000. RECURSOS DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. FISCALIZAÇÃO E APLICAÇÃO, SOB A ÓTICA DA EFICIÊNCIA E EFICÁCIA, DOS PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS. ILEGALIDADES GRAVÍSSIMAS COMPROMETEDORAS DA EFICÁCIA DO SISTEMA E DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS ADVINDOS DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. ABSOLUTA INCOMPATIBILIDADE VERTICAL DA INSTRUÇÃO NORMATIVA 20/2011 DO INSTITUTO CHICO MENDES. ILEGALIDADE DA GESTÃO INDIRETA DE RECURSOS, OBTIDOS DOS EMPREENDEDORES PRIVADOS, DESTINADOS À COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. LITERAL VIOLAÇÃO DA LEI 9.985/2000 E DA PACÍFICA JURISPRUDÊNCIA DO TCU. DETERMINAÇÕES. REMESSA AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
O pedido de reexame interposto pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade pretendia reforma do mérito das determinações 9.1.1.1 e 9.1.2 do Acórdão 1853/2013-Plenário.

De acordo com entendimento do TCU, a execução direta dos recursos da compensação ambiental pelos empreendedores atende o que define a Lei nº 9.985/200, e o interesse público, possuindo maior perspectiva de alcance de resultados úteis à sociedade, isentando os recursos da burocracia estatal, “cuja gestão é entregue à eventual composição partidária”. 

Novamente houve um retrocesso na sistemática a ser adotada para execução da compensação ambiental, pois o empreendedor não possui a expertise no trato das questões ambientais, passando a desenvolver novas atribuições desconhecidas do seu cotidiano, e com a possibilidade da execução indireta, permitia-se a possibilidade de uma atuação mais precisa por parte dos órgãos gestores das unidades de conservação ou por entidades por ele credenciadas para desempenharem essa função.

O Relator entendeu que a sistemática da execução indireta da compensação ambiental utilizada pelo ICMBIO é ilegal, por falta de previsão legal no ordenamento jurídico. Entendendo que os recursos financeiros que se encontram recolhidos em contas escriturais devem ser recolhidos à conta única do Tesouro Nacional, em observância aos princípios da universalidade e da unidade de tesouraria, insculpidos nos arts. 1º e 2º do Decreto 93.872/1986 e art. 1º da Medida Provisória nº 2.170-36, de 23/08/2001, e arts. 56, 57 e 103 da Lei nº 4.320/1964 – Lei das Finanças Públicas. Ressaltando ainda, a “necessidade de compatibilidade vertical da norma administrativa – decreto, instrução normativa – com a lei é questão sobremodo de unidade do sistema jurídico”, segundo a teoria de Hans Kelsen que estabelece encadeamento normativo em que a norma de grau superior dá suporte de validade à norma inferior. O ato administrativo não pode inovar no ordenamento jurídico, criando fatos novos sem previsão legal para atender a interesses próprios, seja público ou privado.

“No tocante à determinação 9.1.2, foi considerada necessária por expressa determinação legal, a inclusão dos saldos remanescentes das contas escriturais no orçamento de 2017 da União Federal e a apuração de qualquer irregularidade, neste setor, cometida pelo órgão, a partir da presente deliberação do Tribunal, ora recorrida”. Esta medida, nos parece arbitrária, uma vez que os recursos disponíveis nas contas escriturais eram privados, e estavam destinadas a finalidade definida nos Termos de Compromisso pactuados com o órgão gestor das unidades.

Por conseguinte, foi negado o provimento ao pedido de reexame, impetrado pelo ICMBIO, permanecendo o Acórdão 1853/2013-Plenário nos exatos termos em que foi proferido.


CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi exposto, podemos observar que a compensação ambiental continua a ser um importante instrumento de reparação de potenciais danos ambientais, que envolve grandes quantias financeiras externas do Orçamento da União, que contribuem para a implantação e manutenção das Unidades de Conservação.

A ferramenta contempla o princípio do usuário-pagador, impondo o dever do empreendedor de arcar com os custos ambientais, pois é dele o risco do negócio. A responsabilidade civil de atividade ambiental é objetiva, cabendo ao empreendedor o dever de reparar os danos ambientais, independente de culpa, bastando o dano e o nexo de causalidade.

A compensação ambiental, ainda continua como uma ferramenta alheia a um consenso da doutrina quanto à sua definição. No entanto, o ponto mais importante que faltava definir tratava-se da sistemática de funcionamento da ferramenta, que teve alteração do § 1º do art. 36 da Lei do SNUC, por meio da ADI 3378-6 impetrada pela CNI. Em seguida, foi objeto de 2 auditorias operacionais do TCU – Acórdãos nºs 2650/2009 e 1853/2013, e em seguida, através do Acórdão nº 1004/2016, a Corte de Contas manteve o entendimento proferido anteriormente por meio do Acórdão nº 1853/2013, pelo qual, a execução da compensação ambiental deve ser realizada diretamente pelo empreendedor, e os recursos depositados nas contas escriturais junto à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL deveriam ser depositados na conta do Tesouro Nacional.

É importante que ocorram novos debates e estudos para aprimorar a ferramenta e o seu funcionamento, para que os recursos que devem ser destinados às Unidades de Conservação sejam direcionados com mais agilidade, para que as aquisições para essas UC’s sejam realizadas de forma mais célere, e para que o meio ambiente não seja um empecilho para o desenvolvimento econômico, pois é possível a conciliação de políticas econômicas com as políticas ambientais, quando os possíveis danos podem ser mitigados.

[1] Desastres Ambientais e sua Regulação Jurídica – Délton Winter de Carvalho – Revista dos Tribunais, 2015, pág. 112.

Referências:

- Curso de Direito Ambiental - Guilherme José Purvin de Figueiredo, 6ª edição, Revista dos Tribunais, 2013;

- Direito Constitucional Ambiental - Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Meio Ambiente, 3ª edição, Revista dos Tribunais, 2013;

- ADI nº 3378-6/2008

- Acórdão 2650/2009 TCU;

- Acórdão 1853/2013 TCU;

- Acórdão 1004/2016 TCU.


RODRIGO DIAS MACEDO - ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO AMBIENTAL

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